Os condomínios irregulares e os de fato e a inadimplência
A inadimplência é um assunto que costuma ser um grande desafio aos síndicos de condomínios com o perfil de HIS – Habitações de Interesse Social.
São tidos como HIS os condomínios nascidos usualmente da atuação de empresas públicas (COHAB, CDHU), ou impulsionadas por verbas públicas (programa “Minha Casa, Minha Vida”), destinados ao atendimento de parcela da população sem acesso econômico aos produtos usualmente disponibilizados pelo mercado imobiliário.
A bem dizer, se a inadimplência é um problema que, tradicionalmente, afeta os condomínios brasileiro em geral, nos condomínios HIS o assunto ganha contornos dramáticos, eis que, não raro, tais empreendimentos apresentam documentação deficiente, sendo exemplos certos condomínios sem o CNPJ, ou mesmo, sem a Convenção.
Em tais casos, a ideia de que o próprio condomínio carece de plena regularização faz transparecer para muitos condôminos e ocupantes que o pagamento das contribuições mensais deixa de ter conteúdo obrigatório, servindo tal quadro como um incentivo ao não pagamento.
E, a reboque de tão dura realidade, surgem questionamentos sobre a possibilidade de protesto extrajudicial de tais verbas, bem como da sua cobrança ou execução judicial.
A possibilidade do condomínio de fato (o ainda não instituído), ou mesmo o condomínio irregular (instituído, mas sem Convenção) cobrar em juízo (ação de cobrança) suas quotas condominiais é uma questão antiga, bastante conhecida pelo nosso Poder Judiciário, o qual, como regra, dá ganho de causa ao credor (condomínio), desde que comprovada a realidade dos serviços prestados pela administração, que ensejaram as despesas então cobradas.
Dito de outro modo, sendo uma ocorrência antiga que se repete em inúmeros condomínios, a jurisprudência revela um posicionamento firme no sentido da possibilidade de que o condomínio, mesmo sendo irregular ou de fato, possa recuperar seus créditos, sendo a via própria para tanto a ação de cobrança, uma ação de conhecimento que visa a formação de um título executivo judicial.
Portanto, por não dispor de um crédito certo, líquido e exigível nos moldes exigidos no art. 784, X, do Código de Processo Civil, o condomínio irregular ou de fato não pode tomar a iniciativa de protestar ou executar os devedores, sendo viável o acionamento pela tradicional cobrança.
Os julgados abaixo, oriundos do Tribunal de Justiça de São Paulo, ilustram o quanto acima foi dito:
Ementa: Apelação. Cobrança de despesas condominiais. Condomínio de fato. Legitimidade. Regularidade da cobrança. Presença dos documentos indispensáveis. Ônus da parte requerida de demonstrar a quitação dos valores devidos. Sentença de procedência mantida. Administração do Condomínio a ser discutida em vias próprias. Recurso improvido (TJSP – Apelação 4005159-25.2013.8.26.0348; Relator (a): Bonilha Filho; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mauá – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/09/2017; Data de Registro: 15/09/2017).
Ementa: DESPESAS CONDOMINIAIS – COBRANÇA – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO – Ilegitimidade ativa e passiva afastada – O condomínio de fato detém legitimidade para ajuizamento da causa – Unidade condominial devedora objeto instrumento de venda de imóvel a prazo, figurando a ré como promissária compradora – Inépcia da inicial e falta de interesse processual não verificadas – Ação necessária para cobrança do valor inadimplido – Exordial confeccionada e instruída em termos – Cerceamento de defesa – inocorrência – Documentos pleiteados prescindíveis ao caso – Ausente prova de pagamento das taxas condominiais cobradas – Hipótese em que a ré não se desincumbiu de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor – Artigo 373, II do CPC – Obrigação positiva e líquida – Incidência da correção monetária e juros de mora a partir do vencimento de cada prestação – Sentença mantida – Recurso desprovido, rejeitadas as preliminares (TJSP – Apelação 1000192-67.2016.8.26.0223; Relator (a): Claudio Hamilton; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/06/2017; Data de Registro: 23/06/2017).
Ementa: APELAÇÃO – DESPESAS CONDOMINIAIS – COBRANÇA – Ilegitimidade ativa – Inocorrência – Documentos acostados se mostram aptos a demonstrar a existência do condomínio ainda que de fato e a simples falta de registro não afasta a possibilidade deste realizar a respectiva cobrança das despesas condominiais devidas – Ilegitimidade passiva – Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto – Recurso Especial nº 1.345.331 – RS – No caso não restou demonstrada ciência inequívoca do condomínio sobre a transação de aquisição da unidade – Obrigação propter rem, obrigação solidária entre proprietário, possuidor e promissário comprador – Procedência da cobrança – Inadimplência incontroversa – Ausência de fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor – Possível penhora em fase de execução deverá recair exclusivamente sobre o imóvel gerador dos débitos – Recurso provido (TJSP – Apelação 0009284-91.2012.8.26.0008; Relator (a): Mario Chiuvite Junior; Órgão Julgador: 19ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2015; Data de Registro: 12/08/2015).
Ementa: Condomínio – Ação de cobrança de despesas condominiais – Cerceamento de defesa – Inocorrência – Provas irrelevantes – Falta de inscrição do condomínio no CNPJ – Irregularidade que não infirma a cobrança – Impugnação genérica da planilha de débito Impossibilidade – Inteligência do art. 333, II, do CPC – Inconformismo manifestamente protelatório – Recurso não provido com imposição de penalidade por litigância de má- 1. Não há cerceamento de defesa quando as provas pretendidas são irrelevantes para a solução do litígio, em vista dos documentos já constantes dos autos. 2. A falta de registro do condomínio no CNPJ não impede a cobrança judicial das despesas condominiais. A existência reconhecida do condomínio, ainda que apenas de fato, gera a obrigação dos condôminos de contribuir para a sua manutenção. 3. A insurgência do condômino quanto aos valores dos rateios deve ser manifestada pelos meios adequados, e não em sede de cobrança, especialmente quando deduzida a impugnação em termos formais e genéricos. Em princípio, a planilha discriminada de débito e a ata da última assembleia geral bastam para instruirá inicial. 4. Litiga de má-fé a parte que deduz defesa e interpõe recurso sem o menor laivo de juridicidade e em que, sem negar o débito objeto da cobrança, intenta tergiversar, questionando aspectos formais, secundários, irrelevantes e impertinentes. (TJSP – Apelação 9173649-38.2009.8.26.0000; Relator (a): Reinaldo Caldas; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul – 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 28/07/2010; Data de Registro: 03/08/2010).
Como conclusão, exaurida a tentativa amigável e extrajudicial para recuperação dos créditos condominiais, a ação de cobrança é medida possível e recomendada, eis que, sem a arrecadação de tais valores, a vida em comum tende a degradar-se a tal ponto que os benefícios e serviços mais elementares são inviabilizados, bem como esgarçada a coesão social.
Autor: Dr João Paulo Rossi Paschoal
Advogado, mestre em direito pela PUC/SP, especialista em direito civil e direito Imobiliário, docente da UNISECOVI-SP e da UNINOVE, Membro da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB/SP e da Comissão de Direito Imobiliário da Subseção de Pinheiros da OAB/SP. joaopaulorp@gmail.com